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Estenose aórtica importante: quando preferir tratamento cirúrgico?

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O implante valvar aórtico transcateter, do inglês transcatheter aortic valve implantation (TAVI), vem sendo bastante utilizado nos últimos anos, com resultados melhores ou pelo menos iguais ao tratamento cirúrgico da valva aórtica em diversos ensaios clínicos controlados e randomizados. Esses resultados, ainda de médio prazo, têm levado a uma mudança de tratamento dos pacientes com estenose aórtica importante, com possibilidade de um tratamento menos invasivo, recuperação mais rápida e maior benefício clínico.

Atualmente, tanto a cirurgia quanto a TAVI transfemoral são recomendação classe I para os pacientes sintomáticos com estenose aórtica importante, e a decisão sobre qual procedimento preferir é baseada em fatores clínicos e anatômicos.

Ainda restam dúvidas sobre esse tratamento em populações que foram excluídas dos ensaios clínicos randomizados e em relação à durabilidade dos procedimentos. Foi publicada, então, uma revisão com ênfase em quais pacientes teriam indicação de cirurgia e não de TAVI, baseado nas recomendações das diretrizes mais atuais.

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Estratificação do risco anatômico

Um dos principais pontos é a estratificação de risco anatômico, pois quando a anatomia valvar aórtica é favorável para TAVI, e o acesso femoral possível, TAVI tem resultados semelhantes à cirurgia. Quando a anatomia é desfavorável, e o acesso femoral inadequado, o sucesso do procedimento é menor, e a cirurgia tem maior benefício. Alguns cenários de risco intermediário necessitam de decisão individual, caso a caso. Abaixo, seguem algumas situações anatômicas que podem dificultar o procedimento.

– Valva aórtica extremamente calcificada e calcificação da via de saída do ventrículo esquerdo (VE)
Esses pacientes foram excluídos dos ensaios clínicos randomizados, já que calcificação importante, principalmente se distribuída de forma assimétrica na valva, assim como calcificação na via de saída do VE, aumentam o risco de complicações como regurgitação paravalvar, ruptura do anel valvar, distúrbios de condução, obstrução coronária e AVC. O impacto da calcificação dos folhetos pode ser reduzido com as novas próteses e técnicas, porém, a calcificação da via de saída do VE continua com impacto considerável. Nesses casos, a cirurgia deve ser preferida.

– Distúrbios de condução
A chance de distúrbios de condução novos aumenta com depósito de cálcio próximo ao sistema de condução, a depender do comprimento do septo membranoso e da profundidade da implantação. Novas técnicas e dispositivos parecem reduzir esse risco e é incerto se a cirurgia leva a menor ocorrência de distúrbios de condução com necessidade de marcapasso.

– Dimensões extremas do anel valvar
O tamanho adequado da prótese é de extrema importância para o sucesso do procedimento e anéis valvares muito grandes ou muito pequenos, que não permitam acoplamento de uma prótese de forma adequada, devem ser tratados de preferência por via cirúrgica.

– Valvas cardíacas não calcificadas
São mais comumente encontradas em pacientes mais jovens com doença reumática ou insuficiência aórtica isolada e geram maior risco de embolização valvar ou deslocamento da prótese após a TAVI, pois a ancoragem da prótese fica mais difícil sem calcificação. A cirurgia deve ser preferida nesses casos, a não ser que o risco cirúrgico seja proibitivo.

– Implantação baixa dos óstios das coronárias associado a seio de Valsalva estreito
Nesta situação há risco aumentado de obstrução coronária, uma complicação rara, porém, de extrema gravidade. Nesses casos, também deve-se preferir a cirurgia.

-Angulação da aorta
A angulação da aorta (ângulo entre o plano horizontal e o plano do ânulo aórtico em uma projeção coronal) também tem implicação no procedimento. Angulações maiores que 70 graus foram excluídas dos ensaios clínicos e, apesar de raras, limitam a utilização da TAVI, sendo a cirurgia preferível.

– Acesso femoral
A maioria dos estudos incluiu pacientes com bom acesso femoral e, caso este acesso não seja bom, deve-se preferir cirurgia. Caso o risco cirúrgico seja proibitivo, pode-se considerar alguns procedimentos, como angioplastia e litotripsia intravascular, como forma de melhorar o acesso femoral. Entretanto, esses casos são de exceção.

Valve-in-valve
Pacientes com disfunção de prótese aórtica biológica também foram excluídos dos estudos, mas a TAVI vem sendo amplamente realizada nesses pacientes quando apresentam alto cirúrgico e tem mostrado relativa segurança. Apesar de resultados favoráveis, este procedimento apresenta maior chance de obstrução coronária, gradientes residuais maiores e mal posicionamento ou deslocamento da prótese. De preferência, a regurgitação paravalvar não deve ser tratada com esta técnica.

Valva aórtica bicúspide

Esses pacientes, 5 a 10% dos idosos apenas, também foram excluídos dos estudos, pois tem características anatômicas com calcificação da Raphe ou calcificação mais importante do folheto, além de aortopatia associada, muitas vezes com indicação de cirurgia de correção da aorta ascendente concomitante à correção valvar. Alguns estudos observacionais mostraram certa segurança da realização de TAVI em pacientes com valva bicúspide, porém as custas de maior ocorrência de regurgitação paravalvar moderada a importante.

Para pacientes jovens, a cirurgia deve ser o método de escolha, nesses casos, e a TAVI deve ser considerada apenas para pacientes idosos, com risco cirúrgico aumentado, e morfologia valvar favorável para o procedimento, sem aortopatia associada.

Doença valvar associada

Até 30% dos pacientes com estenose aórtica tem outras doenças valvares, como insuficiência ou estenose mitral e insuficiência tricúspide. Nesses casos, uma avaliação mais detalhada dessas alterações com ecocardiograma transesofágico pode ser útil para definir a gravidade das lesões individuais, a morfologia da valva e definir a melhor estratégia de tratamento.

– Insuficiência mitral
Esta lesão é a mais frequente em pacientes com estenose aórtica, geralmente secundária a aumento da pressão de enchimento ventricular e pode melhorar após a correção de estenose aórtica em até 50% das vezes. Sua persistência está associada a um aumento de mortalidade.

Pacientes com insuficiência mitral primária tem indicação de correção valvar cirúrgica das duas valvas no mesmo tempo cirúrgico sempre que possível. Para os casos de risco cirúrgico proibitivo, pode ser considerado tratamento percutâneo. Já o tratamento da insuficiência mitral secundária é mais complexo, e está indicada intervenção caso não haja melhora após a TAVI. Caso seja indicada correção cirúrgica aórtica, se a valva mitral apresentar insuficiência importante, é indicado tratamento concomitante. Quando a insuficiência é moderada, a decisão deve ser feita caso a caso.

– Insuficiência tricúspide
Geralmente, é consequência de doenças do coração esquerdo e uma parte pode melhorar após a correção valvar aórtica, porém como é difícil saber quem vai melhorar ou não, e o risco cirúrgico de reoperação para correção valvar tricúspide é alto, a recomendação é que se o paciente for submetido a correção valvar aórtica cirúrgica, e tiver insuficiência tricúspide importante ou moderada com anel tricúspide dilatado, deve ter essa valva corrigida também. A primeira escolha nesses casos é cirúrgica. Caso o paciente tenha risco cirúrgico proibitivo, pode ser feita correção valvar tricúspide transcateter após TAVI.

Doença coronária

Coronariopatia obstrutiva está presente em 30 a 70% dos casos e deve ser tratada por revascularização cirúrgica combinada a correção valvar ou por angioplastia. A cirurgia está indicada caso o paciente apresente doença coronária complexa, como tronco não protegido e/ou SYNTAX maior que 32, tronco não protegido e/ou doença multiarterial com SYNTAX maior que 22. Caso o paciente tenha risco cirúrgico proibitivo, pode-se considerar estratégia estagiada percutânea, com angioplastia e TAVI, porém o acesso para angioplastia pode ser mais difícil pela presença da prótese.

Seguimento a longo prazo

Os dados comparativos da TAVI, em relação à cirurgia, são limitados a 5 a 8 anos, e ainda há dúvidas no longo prazo em relação à regurgitação paravalvar, distúrbios de condução, doença coronária e via de acesso e trombose subclínica de folhetos.

– Pontos de incerteza
Apesar da melhora das próteses e técnicas ao longo do tempo, ainda persistem alguns pontos de incerteza, como a ocorrência de regurgitação paravalvar mais frequente na TAVI do que na cirurgia, porém ainda há dúvidas quanto à relevância clínica da regurgitação leve. Além disso, não há dados sobre pacientes jovens e de baixo risco.

De forma semelhante, a ocorrência de distúrbios de condução, como bloqueio de ramo esquerdo e bloqueios atrioventriculares, é maior que na cirurgia, no entanto o impacto clínico dessas alterações é controverso.

– Durabilidade
Os estudos de durabilidade são limitados a populações idosas com idade média de 80 anos e os que compararam TAVI com próteses biológicas mostraram durabilidade de até 8 anos. Contudo, esses dados de durabilidade da prótese via TAVI são limitados, e isso deve ser considerado para indicação em pacientes mais jovens, menor que 65 anos.

Possíveis estratégias de tratamento

Pacientes jovens que precisam de correção valvar aórtica geralmente tem benefício de prótese mecânica, com maior durabilidade e maior tempo até uma nova intervenção. Já quando optado por prótese biológica, os pacientes acabam precisando de 2 ou 3 intervenções ao longo da vida. Como múltiplas cirurgias não são o ideal, uma opção poderia ser uma segunda cirurgia próximo aos 60 anos, e uma TAVI valve-in-valve por volta dos 70-80 anos como terceira intervenção.

Outras estratégias poderiam ser TAVI, seguida de cirurgia, e outra TAVI; ou cirurgia seguida de TAVI, e outra TAVI caso necessário. Porém, ainda não há dados sobre a durabilidade da prótese implantada pela TAVI em pacientes jovens e uma cirurgia pós TAVI pode acabar sendo mais complexa e extensa do que uma segunda cirurgia.

Conclusão

Com o desenvolvimento da tecnologia, próteses e técnicas de implante mais modernas, a TAVI tem se tornado cada vez mais atrativa. Entretanto, a cirurgia ainda tem papel bem importante e, como podemos ver, tem indicação em uma grande parcela dos pacientes com estenose aórtica. É importante que os pacientes sejam cuidadosamente avaliados, de preferência, em centros de referência, com heart team, para que a decisão mais acertada seja tomada e o paciente possa ter os benefícios do tratamento recomendando para ele, seja com a TAVI ou tratamento cirúrgico.

Fonte: Peb Med