Introdução
A incidência da NOWS ou apenas síndrome de abstinência neonatal (neonatal abstinence syndrome – NAS) aumentou mais de 500% de 2004 a 2014 nos Estados Unidos. Apesar de uma diminuição geral na prescrição de opioides, os dados são igualmente preocupantes no Canadá, com a NOWS diagnosticada em, aproximadamente, 6,7 por 1.000 nascimentos em 2016. A NOWS representa um grave risco à saúde, pois os bebês podem apresentar uma série de manifestações clínicas, incluindo aumento de irritabilidade, intolerância alimentar, convulsões e dificuldade respiratória. Além disso, o sistema nervoso central (SNC) imaturo sofre considerável plasticidade e é vulnerável a estressores externos que afetam o desenvolvimento do circuito neural.
Os sintomas de abstinência também podem ocorrer quando os opioides são prescritos para o controle da dor após o nascimento. Há evidências consideráveis de que a dor no início da vida pode ter um impacto adverso e profundo no SNC em desenvolvimento e que essas experiências alterem fundamentalmente o neurodesenvolvimento, o processamento da dor e moldam negativamente as experiências de dor mais tardiamente na vida. Embora as estratégias não farmacológicas de manejo da dor sejam empregadas em neonatos, ainda existe uma enorme demanda dos opioides, porque eles fornecem analgesia potente da dor aguda para procedimentos e cirurgias. No entanto, os efeitos colaterais fisiológicos são preocupantes em recém-nascidos (RN), incluindo tolerância, dependência física e abstinência, bem como as sequelas potenciais de longo prazo da exposição ainda não conhecidas. A incidência de iNOWS decorrente do término do uso crônico desses analgésicos pode afetar aproximadamente 50% dos RN que requerem tratamento da dor com esses medicamentos.
Sintomatologia
Tanto a mNOWS quanto a iNOWS são caracterizadas por uma variedade de sinais que incluem irritabilidade neurológica, autonômica, gastrointestinal e respiratória.
Os sintomas de síndrome de abstinência neonatal a opioides causada pela exposição materna (mNOWS) podem variar de graves (como convulsões, apneia, desidratação relacionada a má alimentação, anormalidades eletrolíticas, perda de peso, choque ou coma) a sintomas mais sutis e inespecíficos, como irritabilidade, espirros, bocejos, manchas, dificuldade para dormir ou hiperatividade, que às vezes podem persistir por meses após o nascimento. Em crianças mais velhas (durante a iNOWS), podem ocorrer ansiedade, movimento coreoatetoide e falta de apetite.
As manifestações físicas da abstinência causam sofrimento considerável e aumentam os custos de saúde, mas as intervenções para tratar a abstinência de opioides também estão associadas a consequências agudas e de longo prazo. Notavelmente, a exposição perinatal a opioides pode aumentar a predisposição para ansiedade e depressão, reduzir a capacidade cognitiva e aumentar a busca por recompensa.
Ferramentas diagnósticas
A revisão destaca que a avaliação precisa e detalhada da NOWS é essencial para o diagnóstico precoce e para melhorar o tratamento. As ferramentas atuais de avaliação da abstinência de opioides se concentram na presença de múltiplos sintomas para direcionar a terapia farmacológica. No entanto, a fisiologia neonatal normal é interrompida após a retirada dos opioides, e a sintomatologia permanece em um continuum. Para padronizar e diminuir a farmacoterapia desnecessária, a determinação da necessidade de terapia farmacológica tem dependido da utilização de instrumentos de avaliação.
Medidas fisiológicas: dada a potencial subjetividade e variabilidade interobservador, vários estudos enfocaram as medidas fisiológicas como uma medida mais confiável e objetiva da mNOWS, incluindo o aumento da condutância da pele, a variabilidade da frequência cardíaca (FC) fetal e o tamanho da pupila, mas que requerem mais estudos.
Manejo
Opções de tratamento não farmacológico
Medidas não farmacológicas têm sido um componente do manejo de rotina da dor neonatal e cuidados neonatais essenciais. O uso de terapia não farmacológica no manejo da mNOWS aumentou nos últimos 10 anos e tem se concentrado principalmente em tratamentos como amamentação e alojamento conjunto. Medidas como o toque facilitador, “charutinho”, administração de sacarose, sucção não nutritiva e contato pele a pele (método Canguru) têm sido utilizadas há muito tempo para mitigar a resposta à dor neonatal e ajudar os bebês a lidar melhor com os estressores.
A limitação de estímulos estressantes ambientais, como ruído e luz, também foi integrada ao cuidado neonatal de rotina e pode ser considerada um componente da terapia não farmacológica, dado seu uso geral na terapia intensiva neonatal e seu uso como estratégia para diminuir a terapia farmacológica. Muitas dessas estratégias também facilitam comportamentos e envolvimento dos pais, o que acaba melhorando o cuidado neonatal em geral.
As estratégias não farmacológicas servem para reduzir o estresse e aumentar o conforto, provavelmente por envolver o sistema opioide endógeno e, possivelmente, por inibir a sinalização da dor. A sucção não nutritiva e o método Canguru também podem ativar o sistema neuropeptídeo, como a colecistocinina, que modula a resposta ao estresse, promove a adaptabilidade e é uma substância moduladora de opioides. A proximidade com a mãe e o cheiro também podem estimular a colecistocinina, provocando a mesma resposta. Por fim, a massagem infantil diminui os sintomas de abstinência em bebês expostos à metadona. Aromaterapia, musicoterapia e até mesmo o uso de colchões d’água são outras terapias não farmacológicas às vezes utilizadas para neonatos em UTIN, necessitando de estudos mais aprofundados de sua capacidade de reduzir a necessidade de farmacoterapia na NOWS.
Métodos farmacológicos ou intervenções para NOWS
As intervenções farmacológicas atuais enfatizam a terapia de reposição de opioides (no caso da iNOWS) e a terapia com opioides (no caso da mNOWS), para evitar ou minimizar os efeitos da interrupção abrupta da exposição. Essas terapias são utilizadas se as medidas não farmacológicas forem inadequadas (mNOWS), ou em adição às terapias não farmacológicas (iNOWS), e são baseadas nos mecanismos da fisiologia do receptor opioide.
Os agonistas opioides ativam os receptores opioides acoplados à proteína G, os quais, por sua vez, reduzem a excitabilidade neuronal, aumentando os canais de potássio, inibindo os canais de cálcio e a adenilato ciclase e causando a inibição da formação de AMP cíclico (AMPc). Os receptores opioides são expressos por todo o cérebro e medula espinhal, fortemente concentrados em centros moduladores da dor. A ligação dos opioides aos seus receptores diminui a excitabilidade neuronal em vários níveis, reduzindo assim a sinalização da dor. Paradoxalmente, a hiperexcitabilidade neuronal também é uma marca registrada da abstinência de opioides. Acredita-se que isso seja, pelo menos em parte, devido a mudanças compensatórias na expressão de proteínas a jusante da ativação do receptor opioide em canais de cálcio e potássio dependentes de voltagem, bem como aumento do tônus noradrenérgico e ativação dessas regiões cerebrais.
O tratamento farmacológico da abstinência de opioides tem o objetivo de reduzir a hiperexcitabilidade. Isso pode ser realizado por substituição de opioides e retirada lenta (redução gradual) do fármaco, minimizando o efeito tanto da regulação positiva da sinalização de AMPc pela adenilato ciclase quanto do canal de cálcio controlado por voltagem. Alternativamente, a terapia pode atenuar o aumento do tônus noradrenérgico, usando drogas α-adrenérgicas como a clonidina ou dexmedetomidina. De acordo com a revisão, outras terapias são voltadas para o tratamento de sintomas específicos, como convulsão ou hiperatividade, usando medicamentos como fenobarbital ou clorpromazina.
Uso de opioides
O tratamento da NOWS de opioides é atualmente direcionado à terapia com opioides, na qual os bebês recebem esses medicamentos para prevenir os efeitos mais graves da interrupção repentina da exposição, reduzindo os sintomas de abstinência. Atualmente, a morfina e a metadona são recomendadas pela Academia Americana de Pediatria para terapia com opioides de mNOWS para sintomas graves de abstinência, sendo a morfina a mais utilizada. A morfina e a metadona mostram resultados neurocomportamentais semelhantes de curto e longo prazo (18 meses de idade) quando usadas para o tratamento de mNOWS, mas a metadona está associada a uma hospitalização mais curta, enquanto a buprenorfina mostra superioridade sobre outros opioides na redução da duração do tratamento e da internação. No entanto, a escolha do opioide para o tratamento de mNOWS requer mais estudos.
Fenobarbital
O fenobarbital tem sido o sedativo de escolha no manejo da mNOWS por muitos anos e mostra evidências de eficácia como medicamento de resgate. A preocupação constante em relação aos efeitos do desenvolvimento neurológico de longo prazo do uso de fenobarbital levou à avaliação de outras alternativas. O fenobarbital, administrado para prevenir convulsões, pode afetar a cognição e as habilidades motoras, efeitos que foram diminuídos em crianças que receberam outras drogas antiepilépticas. Embora esta dosagem de fenobarbital possa estar fora do esperado no uso do tratamento com mNOWS, e dado que esta população de bebês com distúrbios convulsivos está em risco de neurodesenvolvimento independente, estudos como este são dignos de reconhecimento e consideração ao contemplar o uso de fenobarbital na NOWS. Em geral, o fenobarbital tem sido um agente importante no tratamento da mNOWS e é mais eficaz do que o diazepam como adjuvante da terapia com opiáceos. Dadas essas preocupações, no entanto, recomendações mais recentes no tratamento protocolizado da mNOWS recomendam considerar clonidina em vez de fenobarbital quando a terapia adjuvante é recomendada.
Clonidina
Dadas as preocupações sobre o uso de fenobarbital, a clonidina parece uma droga viável e potencialmente superior como adjuvante ao opioide. Em todos os estudos sobre mNOWS até o momento, ela foi bem tolerada. Quando comparada à morfina como terapia medicamentosa única para mNOWS, a clonidina resultou em menor duração do tratamento em uma pequena coorte, sem afetar o desenvolvimento infantil com 1 ano de idade. Uma revisão sistemática revelou que a clonidina pode reduzir o tempo de tratamento e é eficaz em combinação com opioides ou como monoterapia no tratamento de mNOWS. Todavia, ensaios maiores, prospectivos e estudos de longo prazo são urgentemente necessários para confirmar esses achados iniciais.
Terapia combinada
É usada para maximizar o potencial de tratamento de diferentes drogas, enquanto minimiza os efeitos colaterais de outras, tanto quanto possível. A clonidina administrada no contexto de um protocolo de desmame pareceu diminuir a duração do tratamento em uma média de 8,5 dias, diminuindo assim a exposição geral aos opioides e o tempo de internação.
Com relação à iNOWS, poucos estudos avaliaram medicamentos adjuvantes e estes são principalmente séries de casos e relatos de casos avaliando clonidina ou dexmedetomidina. Dada a frequente coadministração de benzodiazepínicos, dexmedetomidina ou clonidina para sedação em pacientes pediátricos na unidade de terapia intensiva, é difícil diferenciar entre a retirada de agentes sedativos ou de opioides ao avaliar os resultados.
Novas terapias
Com a crescente prevalência de síndrome de abstinência neonatal a opioides (NOWS), há uma necessidade de novas opções de tratamento e protocolos de otimizados. Os pesquisadores citaram um pequeno ensaio clínico prospectivo randomizado (N = 28) que avaliou o uso concomitante de acupuntura a laser com farmacoterapia para mNOWS e que descobriu que houve uma redução de 11 dias no tratamento com opioides em favor do grupo de tratamento. No geral, há uma falta de compreensão dos mecanismos por trás da abstinência de opioides em neonatologia, dificultando a descoberta de novos alvos de tratamento. Mais informações sobre as diferenças de neurodesenvolvimento da abstinência de opioides em diferentes fases poderiam identificar alvos de tratamento ideais
Vários estudos avaliaram retrospectivamente o manejo farmacológico da iNOWS, usando métodos semelhantes de prevenção e tratamento. As técnicas se concentram em minimizar a abstinência por meio do desmame controlado de opioides na UTIN, alternar para opioides de ação prolongada e tratar os sintomas. Mais recentemente, o cuidado protocolizado de desmame foi estudado para redução na retirada sintomática de opioides e redução da carga total de opioides cumulativa, geralmente usando protocolos mais rápidos para duração cumulativa mais curta de opioides e com redução variando de 10% em dias alternados a 20% por dia. Infelizmente, ao estudar a abstinência pós-natal de opioides, é difícil diferenciar a proporção da sintomatologia relacionada ao opioide em comparação com sedativos, como clonidina, dexmedetomidina ou benzodiazepínicos. Os sedativos são frequentemente usados em conjunto com opioides em Unidades de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP), e as ferramentas de avaliação não são específicas para a retirada de opioides. Dada a associação de maiores sintomas de abstinência em pacientes recebendo grandes doses de benzodiazepínicos, minimizar a dose máxima de benzodiazepínicos pode ajudar a diminuir a incidência de abstinência de opioides.
Os protocolos para orientar o desmame de opioides diminuem a incidência de iNOWS, mas os estudos são bastante heterogêneos e a adesão aos protocolos é problemática, embora isso possa ser melhorado com auditoria e feedback, exigindo envolvimento multidisciplinar para implementação. Além dos protocolos de desmame, os protocolos de manejo da sedação podem diminuir o uso geral de sedativos e, portanto, a incidência de abstinência. Os pesquisadores mencionaram uma revisão sistemática e meta-análise da metadona para facilitar o desmame de opioides que mostrou evidência insuficiente para recomendar qualquer estratégia de desmame da metadona em particular, ou diferença na eficácia da metadona em relação a outros medicamentos. Ademais, em um estudo observacional prospectivo, o protocolo de rotação multidrogas precoce, usando vários tipos de drogas, como cetamina, dexmedetomidina, benzodiazepínicos e propofol, diminuiu a incidência e a gravidade do desmame, bem como a necessidade de medicação adjuvante para tratar os sintomas, mas a adesão ao protocolo foi pobre, por isso é difícil generalizar esses resultados. A protocolização das práticas de sedação e desmame e, potencialmente, o uso da rotação de drogas pode diminuir a incidência geral e a gravidade da iNOWS de opioides e talvez minimizar o impacto de longo prazo do uso de opioides em RN, mas dada a escassez de estudos e a falta de comparações de eficácia, os pesquisadores enfatizam que mais pesquisas são necessárias.
Complicações em longo prazo
Incluem, essencialmente, desfechos negativos com relação às funções cognitivas, de aprendizado, linguagem, motoras e sensibilidade à dor. No entanto, de acordo com a revisão, a exposição a opioides em bebês nascidos a termo parece ter um risco menor de alterações de longo prazo no sistema nervoso.